Por André Roca
Em 1998, a Internet engatinhava no Brasil. Os principais centros de mídia do país ainda costumavam usá-la como uma plataforma para a simples reprodução do conteúdo impresso. As fotos tinham uma resolução muito baixa e precisávamos fazer o download de algum programa pesadíssimo (dentre as duas ou três opções existentes) para rodar raros áudios e vídeos.
Era esse cenário precário que nos encantava. Não pela precariedade, por óbvio, mas porque sabíamos que, como estudantes de comunicação, tínhamos um mundo inteiro de experiências pela frente.
Mas também tínhamos pressa. Quem daria oportunidades para um pessoal cursando recém o segundo semestre de jornalismo, relações públicas e publicidade?
O mais inquieto com isso era o Nestor, aquele cara que eu conhecera primeiro pela fama. Explico: naquele tempo, quando as universidades divulgavam a lista dos aprovados no vestibular, ainda era no jornal impresso que procurávamos nossos nomes – e, depois, nossos empregos.
Eu, apesar de ter feito provas apenas na PUCRS (para jornalismo) e na UFRGS (para biologia!), acompanhava de perto o desempenho da minha concorrência nas demais faculdades. E tinha um nome que aparecia sempre.
Quando saiu a lista da PUCRS, lá estava de novo: Nestor Tipa Júnior. Que cara metido!, pensei, entre lamento e inveja por ter sido o 32º colocado – eram só 28 vagas.
Para minha sorte, ao menos quatro pessoas optaram por não se matricular. Acabei entrando na turma 359 da Famecos, no turno da noite, para iniciar, em agosto de 1997, minha trajetória no jornalismo. E quem foi um dos primeiros amigos que fiz? Ele mesmo.
Logo no começo do ano seguinte, o Tipa resolveu criar uma revista eletrônica. Seria o nosso próprio veículo de comunicação, ele dizia. Acho que debatemos pouco sobre o nome, porque 359 Online era mesmo o mais óbvio para nós (Por que tínhamos essa tendência/necessidade de atrelar ao nome algo que o próprio meio já explica?)
Vivíamos o começo dessa revolução tecnológica que nos trouxe até este momento em que você provavelmente lê textos no smartphone ou, se bobear, em um smartwatch.
Naquele tempo, o curso de datilografia começava a perder espaço para outros tipo o “desenvolvimento de home pages” do Senac – que fazíamos depois de passar por MS DOS, Introdução à microinformática e, quem sabe, Windows 95.
Aprendemos de fato HTML e isso nos empoderou. Não precisávamos mais de uma empresa de comunicação. Nós mesmos publicaríamos nosso conteúdo, usando os computadores de casa ou os da faculdade.
Saber que poderíamos ser lidos de qualquer lugar do globo era motivador. Mostraríamos AO MUNDO que nós sabíamos fazer jornalismo, tínhamos as ideias mais brilhantes, escrevíamos as melhores reportagens, fazíamos as melhores coberturas, pensávamos nos documentários que marcariam presença nos principais festivais…
Sim, éramos megalomaníacos mesmo. Mas éramos jovens e tínhamos esse direito. Precisávamos alimentar nossos sonhos. Além do mais, era muito legal quando fazíamos isso juntos. Sem contar que tínhamos na Famecos professores que colocavam ainda mais brilho em nossos olhos.
Foi assim que a 359 tornou-se um lugar (no sentido figurado) em que podíamos testar nossos limites, fazer o que não nos deixavam fazer em outros lugares, experimentar possibilidades. Um lugar em que aprendíamos muito.
Eu tinha dezoito anos quando comecei a escrever uma coluna de esportes na 359 Online. Com essa idade, ainda me sentia incapaz de falar sobre outra coisa.
Queria ter a objetividade do Hiltor Mombach, a eloquência do Ruy Carlos Ostermann, as sacadas do Mário Marcos de Souza. É claro que comecei tentando imitá-los.
Hoje eu sei que não teria me tornado redator de esportes do clicRBS, em 2001, se não tivesse passado pela 359 primeiro. E se depois fui editor, e passei por ciência, educação, política, tecnologia… foi porque nunca deixei de ser 359.
Ninguém mais deve fazer curso de “desenvolvimento de home pages”, imagino. As linguagens de programação (dá-lhe JS!) evoluíram muito e praticamente tiraram da jogada esse pessoal de humanas que não se dá muito bem com os algoritmos.
Mas o tempo nos trouxe também ferramentas que facilitaram bastante as coisas. E foi em cima delas que a Andreia Odriozola esteve brincando nas últimas semanas.
Não lembro exatamente em que momento a Deia passou a fazer parte da minha vida. Sei que foi na Famecos (acho que em 1998). Imagino que tenha sido (também) por causa da 359.
Isso pouco importa. Assim como o Nestor, ela se tornou uma das pessoas com quem eu sei que posso contar sempre. Às vezes, passamos longos períodos sem nos vermos. Nada muda. Acho que isso acontece com quem já dividiu sonhos.

27/12/2009: Nos 30 anos de André Roca, os badalados editores da 359 Online Andreia Odriozola e Nestor Tipa Júnior
Aliás, com a Deia – e outros famequianos –, a aventura da 359 se profissionalizou no começo dos anos 2000 em formato de cooperativa. Não tivemos o Nestor logo no comecinho, mas ele estava lá, em cada um de nós.
Era clara a inspiração entre a turma da Coomunica. Porque foi na 359 que começamos a trabalhar juntos, informalmente, e vimos que dava certo.
Bueno, este era para ser um editorial. Eu deveria usar essas linhas para comentar sobre os textos que republicamos (e que ainda republicaremos). Deveria estar reforçando o convite para que você volte a embarcar nessa jornada conosco. Sinto que desviei demais do assunto. Agora sequer sobrou espaço para falar do jornalismo on-line nos tempos de hoje, fechando a circularidade do texto. Tudo bem. Eu precisava mesmo tirar das gavetas da memória esse pedaço de história. O resto… bom, deixa para a próxima edição! Porque, sim, nós voltamos!
sobre o autor
- Jornalista, escritor e professor de Letras, mestre em Escrita Criativa
Editorial2018.03.23Voltamos!
Esportes1999.05.29A Gol – nº7
Esportes1999.05.29A Gol – nº 6
Cultura1999.04.18Talento mirim – Karen Roca